23 de novembro de 2022

Excerto de «Pássaros do Paraíso II», in Tautologias:

Grande parte do público volta e meia vaiava, assobiava, aclamava desesperadamente para inspiração do seu macho favorito. Dava-lhes nomes, dava-lhes à luz a alma provisória que não detinham no seu corpo passeriforme. Outra parte do público, no qual eu me incluía, tentava alguma expressão de neutralidade, a não querer que a sua preferência pessoal desestabilizasse os intervenientes nem contribuísse para um resultado injusto. Além disso, de certa forma, a má prestação de um ou outro pássaro e o seu eventual, mas pouco convincente, fingimento de si, causava em nós um leve, às vezes apertado, efeito de vergonha alheia que nos remetia ou a um silêncio, ou a um não olhar, ou a um intermitente alienamento da nossa própria presença, como se através de nós os pássaros se pudessem esconder de toda a gente.