Repudio o conceito de vanguardismo e sucessivas tentativas de o justificar, mas, usando-o, ao menos que se o atribua a coisas realmente irrepetíveis por surgidas e existindo naquilo a que podemos chamar irreal — não por vidência, clarividência ou adiantamento face ao que há, mas por não se achar em qualquer parte do tempo.
É no Zeca Afonso em que penso. Ser-me-ia impossível explicar o que faz deste compositor um dos maiores, ao lado de Mozart, Stravinsky ou McCartney. Periscópios neurais ou alquímicos terão em comum para descobrirem com tal claridade a linha turva do horizonte. Será uma intuição «intemporal» ou «universal», como se escutassem em si mesmos a demais humanidade, a que existe, a que virá? Na ânsia de haver o que se responda, dizemo-los profetas ou videntes, e, por excesso (ou inabilidade) de pensar o que não somos, imaginamo-los lacerados pela solidão da «genialidade», anjos caídos na selva de nós. Mas o Zeca Afonso, como todos os génios, não foi realmente génio: ou, pelo menos, não o foi sozinho: nele consolidaram-se as sensibilidades afinadas de um José Mário Branco ou de um Fausto Bordalo Dias, que escutaram com os ouvidos de Orfeu a intuição cantante de um homem, transfazendo-o na severa possibilidade da reprodução. Aquela estranha solidão, que é afinal simples música, não se mata, mas alivia-se.